Certa vez, participei de uma discussão sobre um método, nada convencional, de professoras na escola primária. Mantinham, em sua mesa, uma espécie de régua de madeira, a malfadada palmatória.
Vários relatos sucediam-se na discussão. Era muito comum a situação em que, a cada erro às perguntas formuladas pelo professor, os alunos apanhassem.
Uma pessoa relatou-nos sua experiência:
“Eu apanhei, uma vez. Recebi uma reguada por não ter colocado um acento; e nem foi muito forte, mas chorei tanto, porque me doeu no orgulho. Acho que a professora até se arrependeu de o ter feito, tamanho o berreiro.”
Eu pensei: “Que horror! Minha mãe também passou pela palmatória!”. Entretanto, em seguida, alguém levantou a voz para aplaudir tal prática:
“Concordo com uma réguada ou duas quando merecidas. Penso que deveria voltar às nossas escolas com muita moderação e sentido de justiça. Evitaria muita tragédia e sofrimentos maiores. Não é agradável, é verdade, mas não é o fim do mundo.
A minha professora até nisso era mestra. Tinha uma régua pequena e, quando a situação o justificava, usava-a para dar a tal palmada, que praticamente não doía, mas tinha um efeito dissuasor. Era uma senhora muito sensível e percebia-se que tinha a preocupação de não nos magoar. E sabia dar mimo. Em quatro anos deu-nos quilos de mimo e uma dúzias de réguadas maternais. Agradeço-lhe umas e outras.”
Outra pessoa relatou que na sala abaixo da sua, “era palmatória de caixão à cova“. Ouvia-se o estalar da régua, que parecia não ter descanso.
Confesso que fiquei pasma com tais relatos. Como mãe e educadora, não me foi possível conceber tal prática como algo educativo. No entanto, gostei de escutar estas histórias de outros tempos. Ouvi-las possibilita-nos viajar nas descrições, imaginar os tempos idos, surpreender-nos com os valores antigos e, quem sabe, aprender algo com eles.
De fato, surpreendi-me, profundamente, com as opiniões de apoio a práticas tão danosas. O tempo muda algumas coisas, e tais práticas foram abolidas. Inaceitáveis, humilhantes e nada educativas.
A escola ainda tem feito o papel que compete aos pais. Porém, o próprio aluno reconhece que este não é o papel dela, quando diz para um educador:”você não é meu pai (ou mãe)!
Ontem, palmatória. Hoje, desacato.
Hoje em dia, a palmatória mudou de mão. Há inúmeros relatos de alunos que batem no professor. Meninas engravidam ainda crianças, e meninos trabalham em “bocas de fumo”, antes de atingir a maioridade. Não existe mais a infância, no sentido literal do termo.
Em muitas ocorrências de indisciplina (ou infração), é comum professores sentirem-se ‘coagidos’ a não tomar alguma atitude diante de um desacato do aluno. Seja para evitar o constrangimento de o aluno ser registrado no Conselho Tutelar, seja por temer represálias.
Quando solicitados, alguns pais vêm à escola. Em poucos minutos de conversa, compreendemos por que os filhos são daquele jeito. Uns tentam justificar a atitude do filho; outros querem brigar também. Precisamos educar os pais?
Observamos a transferência, para a escola, da responsabilidade de ensinar a educação moral, aquela que vem “de berço”. Frequentemente, ouve-se, dos pais ou responsáveis: “Não sei mais o que fazer com este menino!”.
Um adolescente livre não é responsável. Um adolescente responsável é livre.
E ser livre significa respeitar o direito de quem quer ensinar e dos que querem aprender.
Os responsáveis pelo aluno precisam, sim, acompanhar, controlar, pressionar, cobrar, exigir que seu filho participe da vida escolar. Certamente, por conta própria, poucos alunos se interessarão em estudar, se não houver a quem prestar contas.
Temos outros problemas com as crianças de hoje. Entretanto, ainda acreditamos que a educação (sem palmatória) pode ser um caminho para uma mudança de rumos na vida deles. Ainda não chegamos ao fundo do poço. Chegamos?
E você, vê alguma mudança positiva nesta relação aluno e professor?
Imagem: Memorial Serra da Mesa